Apresentação

O Museu Brinquedim alberga um acervo de 500 peças de autoria do artista plástico Dim Brinquedim: são brinquedos, esculturas e telas, de pequenas e grandes dimensões, criadas ao longo de 40 anos.

Seu acervo é distribuído em sete núcleos internos e um conjunto externo. Programados dentro de um nexo estético, todos os núcleos exaltam a alegria e a brincadeira, e, criam um ambiente que desperta e motiva o visitante para a compreensão do valor do lúdico para o enriquecimento e fortalecimento da vida.

Desde sua abertura publica, em 2002, o Museu Brinquedim vem se pautando por uma política cultural ancorada nos princípios de democratização do seu acervo. Para isso oferece ao publico, de forma permanente, o acesso a sua coleção. A sociedade vem manifestando interesse crescente por essa coleção. Seu acervo é pesquisado por estudantes de diversas escolas e universidades brasileiras, que, a partir dessa coleção, abordam temas como design, brinquedos tradicionais, arte e ludicidade.

O museu atende diretamente, de forma ininterrupta, visitantes de diversas origens. Paralelamente ao acervo artístico, o acervo de vegetação nativa que rodeia o Museu Brinquedim, constitui parte importante do seu aparato educativo, propiciando conhecimentos sobre a diversidade natural da Região.

 

Meu nome completo é Antonio Jader Pereira dos Santos, mas sou conhecido como DIM Brinquedim. Dim porque meu pai me chamava de Jadim, e depois todo mundo abreviou para Dim, e ficou Dim até hoje. Brinquedim foi um nome que me foi dado pelo meu amigo Almiro Santos, pela relação entre meu trabalho e a brincadeira.

A brincadeira sempre foi minha inspiração, porque na verdade nunca deixei de brincar. O mais sério da vida pra mim é o brincar, levar a vida a sério é considerar seriamente que o objetivo maior da vida é a felicidade.

Um dos brinquedos que eu mais gosto é o João-teimoso, porque ele traz a idéia de persistência, de nunca desistir dos nossos ideais. Ele foi um dos primeiros brinquedos que conheci, foi na feira de Camocim, a pedra. Chamava-se pedra porque era uma feira no calçamento mesmo, e tinha um pano estendido no chão e alguns brinquedos: mané-gostoso, rói-rói, e um brinquedinho que tinha umas orelhinhas pra cima, que parecia um coelho. Era todo enfeitado com papel de seda e pintadinho, a gente derrubava e ele voltava, e eu gostava demais desse brinquedo porque achava interessante ele ir e voltar. Ai eu o desmontei e descobri que tinha um peso ali embaixo, foi assim que descobri o João-teimoso. Até hoje ele está em tudo nos meus trabalhos.

Ele aparece assim com essa expressão de alegria, de felicidade porque é a contemplação com o mundo, porque com esse mundo tão louco que está ai a gente tem que ser persistente na alegria, em tudo.

As pessoas, as vezes, acham que comecei a fazer brinquedos porque era um garoto pobre que não podia comprar brinquedos industrializados, mas na verdade eu tive muitos brinquedos comprados, e brinquedos caros da época. Comecei a fazer brinquedos pela danação de fazer.

Sempre fui muito curioso, e desde criança que estudo mecanismos. Quando eu era menino pequeno, o algodão doce era vendido em um carrinho, que tinha uma espécie de maquinihna a manivela que fazia o algodão doce na hora. Só sosseguei quando descobri como funcionava aquele mecanismo, aí eu o readaptei e a partir dele produzi alguns brinquedos. E é assim, muitas das minhas peças são junção de vários mecanismos, que descubro ou que invento de acordo com o movimento que eu quero dar.

Mesmo quando não estou confeccionando alguma coisa, estou pensando, tendo idéias que desejo executar. Aos poucos vou elaborando as soluções para chegar ao que quero, essas soluções dependem muito do material do qual disponho no momento. Eu idealizo um resultado, mas não predetermino uma forma, o jeito que vou fazendo é o que é possível, depende do material que tenho disponível. Quando concluo uma peça eu mesmo não sabia que ia ficar daquele jeito.

Estou sempre juntando material, ter uma diversidade de materiais me ajuda a inventar soluções, não convencionais. Eu gosto de ter várias coisas em casa pra testar. Se vejo um parafuso perdido na calçada, uma tampinha, um arame torto, eu pego e ponho no bolso. E quando eu estou fazendo uma peça, e tenho a necessidade de um material, lembro que aquela coisa, que juntei no lugar tal, vai dar certo pra resolver essa situação. Vou juntando um material e quando chega a necessidade eu uso.

Quando pego um material eu não predetermino, ah! Isso aqui serve pra um galo ou outra coisa, eu não levo sabendo que aquilo tem que ser para aquilo, se eu encontro um material que sei que é bom, eu guardo sabendo que um dia ele será utilizado em alguma coisa. Eu fico é admirado depois quando um material dar certo, e digo: pôxa quando as coisas tem quer ser é porque tem que ser mesmo.

Todas as minhas experiências entram no meu processo de criação. Se faço um trabalho de reforma da minha casa e acompanho o pedreiro, aprendo com ele novas técnicas que vem também para o meu trabalho. Eu uso todas as técnicas eu aproveito tudo, todo o meu caminho de vida se insere em meu trabalho.

Na minha infância, em Camocim, eu era o menino mais danado do bairro, me chamavam até de Zé faz TUDO, que era o nome do carpinteiro no bairro que fazia tudo.

Na minha cidade tinha o Zezinho do gás que era mamulengueiro e eu achava lindo demais os bonecos dele e queria fazê-los, mas como eu era criança e não tinha ainda muita habilidade, pegava os talos de coqueiro que eram mais moles, fáceis de cortar, botava umas meias, uns pedaços de panos, e fazia os meus bonecos.

As vezes eu ia para o centro da cidade de Camocim e via uns vendedores de remédio brincando com ventríloquos, eu via aqueles bonecos e tentava fazer também. Tudo que eu via queria fazer, eu brincava com tudo: no inverno eu brincava de fazer canoa com casco de melancia, e colocava uns palitinhos nos maxixes e eles se transformavam em bois e cavalos, depois eu fazia um curral e brincava de vaqueiro, brincava de tomar banho na chuva, de pião, de bila. Na época dos ventos tinha a brincadeira com arráia, que é a mesma pipa, os pais da gente também faziam pipa e brincavam com a gente. Minha infância foi muito legal, sempre brincando o tempo todo e sempre fazendo alguma coisa.

Eu via uma coisa e queria fazer, pintava, desenhava, sem ter preocupação de estar ou não fazendo arte. Eu não estava preocupado em ser artista, e eu estava apenas feliz por estar fazendo tudo aquilo, brincando e inventando. Eu tinha o apoio dos meus pais e dos meninos do meu bairro. Os meninos gostavam muito de mim, porque eu inventava as coisas. A gente brincava de bola e queria fazer campeonatos de futebol, mas não tinha troféu. Ai, eu mesmo fazia os troféus, pegava uma madeira lixava, pregava um pedaço de alumínio, e outras coisas, e fazia. Eu não tinha ainda a compreensão do que era a reciclagem mas já reciclava, porque eu aproveitava o que tinha.

O meu avó era cego e contava histórias, e elas me despertavam muita fantasia. Eu ficava muito instigado com aquelas histórias que eram histórias de trancoso, que tinham coisas surreais. Elas ficavam na minha cabeça e eu queria fazer aquelas coisas que nem existiam, eu inventava tudo.

Ai eu continuei fazendo tudo isso. Na verdade não houve um começo do meu fazer artístico, houve sim uma continuidade do meu brincar de criança.

Eu vim tomar consciência de que era artista já com dezoito anos, quando eu conheci um artista plástico, o Batista Sena. Eu fui visitá-lo e quando cheguei em sua casa fiquei impressionado com a pintura dele, com a forma dele decorar a casa. Achei aquilo tão legal que eu fiquei lá, ajudando, foi ai que ele me disse: “rapaz você é um artista !”. A partir daí eu passei a conhecer novos materiais, tintas, aprender a trabalhar com pincéis, a me dedicar conscientemente às artes plásticas, mas desde que eu me entendo por gente que eu já trabalho com pintura, com tintura, porque a minha família é uma família de artesãos. Eu sempre fiz arte mesmo sem saber que era arte, hoje eu apenas faço com mais cuidado, com mais profissionalismo, porque o tempo vai passando e a gente vai aprendendo.

Brinquedim, brinquetu, brincamos nós!

Antonio Jader Pereira dos Santos, o Dim Brinquedim, é um artista brincante brasileiro. Nasceu em 26 de fevereiro de1967, em Camocim, Ceará.

Dim Brinquedim cresceu em um meio comunitário onde dividia espaço com seus irmãos, pais, avós, outros adultos, e muitas crianças. Tinha livre circulação entre as diversas oficinas de parentes e vizinhos, moradores do seu bairro, o Cruzeiro.

Acompanhar a pavimentação das ruas, a confecção de mosaico, tijolos, móveis e rede de tucum; assistir a apresentação do mamulengueiro Zezinho do Gás; ajudar a mãe na confecção de flores; assistir os espetáculos musicais do clube do Cruzeiro, e a encenação do boi do Mestre Cambraia, eram atividades que instigavam sua investigação. E, sua primeira iniciativa diante de uma nova descoberta era a reinvenção da experiência. Esse empenho o impeliu a estudar os mecanismos dos movimentos e as técnicas de junções de objetos. E para concretizar seus achados tinha disponíveis as ferramentas do seu avô João Pereira.

Dim usava as ferramentas do avô carpinteiro para fazer brinquedos (...) Atento a tudo, impressionava-se com os espetáculos que a rua oferecia. (...) A habilidade, exercitada nas atividades artesanais desempenhadas em família, dava concretude a imaginação do menino, em quase tudo parecido com os outros. Mas o investimento fantasioso que Dim sempre foi capaz diferenciava-o, desde pequeno (FREIRE, 1999, p.20, 21).

As sobras das oficinas de seus parentes e os materiais disponíveis na realidade circundante foram a matéria prima de suas primeiras invenções. A cada dia surgiam novos objetos: com uma roda de um velocípede velho, Dim inventou um tear, com uns talos de coqueiro confeccionou um mamulengo, com umas latas de querosene fez uma bateria de percussão. Com seu tear ele tinha liberdade de experimentar tecer como sua avó. Com seu mamulengo ele podia dramatizar como o Zezinho do gás. Com sua bateria podia ser um músico como os das bandas que se apresentavam no clube do Cruzeiro.

Suas experiências tiveram grande aceitação dentro do seu meio. Era elogiado por suas criações tanto pelos adultos quanto pelas crianças com as quais convivia e dividia as brincadeiras. Mas não era só com as crianças que Dim brincava, os adultos também participavam das brincadeiras, sua mãe ajudava nos campeonatos de futebol e seu avô contava histórias que alimentavam sua imaginação. E foi assim, brincando e se apropriando do universo ao seu alcance, que Dim criou seu próprio mundo e acabou se constituindo em um artista multifacetário de grande talento.

A passagem da infância a vida adulta não representou um corte em sua ludicidade. Mesmo passada a infância o lúdico permaneceu vivo na sua vida, norteando sua relação com o mundo, com as pessoas e as coisas. E continua brincando de reinventar o que vê e de inventar o que imagina.

O movimento, a interatividade, as formas alegres e as cores vivas, manifestam a identidade de suas criações. A novidade, no entanto, é uma marca de seu trabalho, de inesgotável capacidade inventiva, Dim está sempre surpreendendo. Sua vasta plasticidade, porém, o permite articular uma pluralidade imensa de formas, cores e movimentos, e, manter uma coerência na articulação do conjunto de sua obra que a torna inconfundível. Dim acredita no brincar como forma de transfigurar a realidade. E toda sua obra gira em torno da idéia de uma vida com ludicidade, convivialidade e fruição da natureza.

A originalidade do seu trabalho foi tema de várias matérias jornalísticas divulgadas a nível nacional por destacadas revistas e emissoras de TV. E é vasta a quantidade de blogs e paginas da Web que fazem referência a sua obra. Foi, também, tema da pesquisa intitulada “Dim, as artes de um Brincante”, 1999, realizada por Beatriz Muniz Freire, e publicada pela FUNART, e do filme “Dim”, 2004, do cineasta Nirton Venancio, e, do Filme “ Brinquedim, Brinquetu, Brincamos nós”, 2011, de Jane Malaquias e Rui Ferreira e do documentário “DIM Brinquedim” 2014, do cineasta Luiz Carlos Lacerda, veiculado pelo Canal Brasil da GLOBOSAT. É um dos temas do livro “Em nome do autor”, 2008, pesquisa sobre arte brasileira, realizada por Beth lima, e por Valfrido Lima, e publicada pela Proposta Editorial-São Paulo, e do livro “Eu era assim: infância, cultura e consumismo”, 2009, do escritor Flavio Paiva, Cortez- São Paulo. Seu trabalho é referência para trabalhos e vivências educativas, e é abordado em pesquisas acadêmicas realizadas por pesquisadores de várias universidades brasileiras, e, em livros didáticos, publicados por diversas editoras de destaque nacional.

No ano de 2013, Dim Brinquedim recebeu uma homenagem da Escola de samba Acadêmicos de Cubango que desfilou na Marquês de Sapucai, Rio de Janeiro, no sábado de Carnaval. O desfile da Escola trouxe um carro alegórico que abordava sua obra.

Um acervo de 500 peças de sua autoria pode ser visto no Museu Brinquedim, em Pindoretama, no Ceará.

Texto: Ângela Madeiro

Bibliografia:

Freire, Beatriz Muniz. Dim: as artes de um brincante, Funarte, Rio de Janeiro-RJ 1999.

Paiva, Flávio. “Eu era assim: infância, cultura e consumismo”, Ed Cortez: São Paulo, 2009

Lima, Beth. “Em nome do autor = In name of author: craft artists from Brazil”, Proposta Editorial LTDA, São Paulo, 2008.